13 de outubro de 2009

Autobiografia de um fantasma

Olá. Me chamam de Kathleen. Ou pelo menos chamavam.

Sim, sou o fantasma de uma mulher. Estou aqui para contar a minha história.

Era meia-noite. A hora em que os fantasmas apareciam. A hora em que o capeta andava solto pelos túmulos. A hora em que as bruxas saíam de suas casas sem o risco de serem vistas. A hora em que tudo que é bom se exvai, só deixando o mal reinar sozinho.

Naquela noite, eu estava muito cansada. Passara o dia inteiro viajando, e não agüentava mais dirigir. Tive que parar em algum lugar.

Fazia frio. Eu vi uma placa em tinta descascada indicando um hotel em cima de uma ladeira. Eu subi a montanha íngreme a pé rumo ao meu destino.

Chegando lá, vi que este parecia uma casa abandonada: tudo se resumia em ruinas. O mármore do saguão estava destruido. As lajes caíam sobre o chão empoeirado.

Algo terrível acontecera.

A curiosidade não me deixaria levar minha vida em paz. Se eu soubesse que ela levaria minha vida...

Resolvi entrar.

Galguei as escadas em plena escuridão. Alguma coisa deslizou junto aos meus pés. Tentei me convencer de que era um rato ou qualquer animalzinho. Mesmo assim, apressei o passo.

Cheguei a um quarto que me chamou a atenção. A porta tinha tinta branca descascada, diferente do marrom da madeira das outras. A maçaneta, não havia dúvida, era de ouro. Mas o detalhe mais interessante: manchas vermelhas.

Chequei o número do quarto. Treze. Devo ter recuado uns passos. É só uma supertição, pensei. Girei a maçaneta e entrei.

Era um quarto grande, parecia ter sido bonito antigamente. O piso de mármore branco contrastava muito bem com os tons de marfim na parede. Uma cama com quatro postes, com lençóis brancos já roídos de traças, ficava ao lado de uma pequena cômoda. Havia uma escrivaninha de madeira a um canto. Tudo estava coberto de poeira e mofo, mas as velas do lustre ainda brilhavam. Aquela destruição era recente.

Então eu ouvi um grito. Um grito que ultrapassa qualquer terror da vida humana. Um grito infinito de dor. O grito dos mortos.

Fui até a pequena janela, e me curvei para olhar.

Mãos, mãos mortas e podres saíam da terra. O quintal da casa era um cemitério. Paralisada de medo, não me mexi. Senti a presença de alguém. Me virei.

Um velho, os cabelos sujos até a cintura, a pele branca, caída, os olhos frios e espantosamente azuis me encarando, um sorriso maligno nos lábios descarnados.

- Sabia que a curiosidade matou o gato?

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